Os privilégios em uma foto de gastronomia
27/02/2019
Por Ruan Félix
“Eu dediquei meu dia a essa foto e podia falar apenas sobre o que é essa criação. Mas vou falar também sobre seu significado e o que existe por trás dela. Sobre privilégios.
Quem olha minhas fotos por aqui mal pode imaginar os corres que eu tenho que fazer pra que elas estejam no nível que eu quero pro meu trabalho. Essa foto por exemplo tem uma câmera emprestada pelo meu amigo Silvio que incentiva muito meu trabalho, tem eu viajando por quase duas horas pra comprar os insumos que eu mentalizei pro prato, tem eu frustrado porque não tenho um canto na casa bom e bem iluminado pra ser fundo desse prato, tem eu pedindo um carretel industrial pra vizinha, rolando ele pela favela e colocando ele na frente do meu portão aberto, com as pessoas olhando torto pro que estou fazendo, e tem eu apreensivo porque o tráfico estava agitado e eu precisava tirar as fotos no beco rapidamente por conta disso. Pra no final eu ter uma foto que possa se comparar a outras pessoas que trabalham com Gastronomia e tem um amparo de uma estrutura muito melhor e mais fácil.
E o problema nunca vai ser quem tem ou quanto tem, o problema aqui é o quanto o sistema é desleal e o quanto eu tenho que suar absurdamente pra tentar driblar essa desigualdade, que é o que acontece todos os dias com a população mais pobre e desfavorecida. Pra no fim de tudo SE POR ACASO algum de nós conseguir chegar no topo, romantizarem essa desigualdade ignorando as regras e exaltando a exceção pra chamarem de meritocracia. Meritocracia NADA.
Eu queria que as coisas não fossem tão difíceis pra executar um trabalho, pra mostrar o que posso fazer, mas elas são. E se são pra mim, que tenho alguns privilégios, imagina pra outras pessoas periféricas, pobres, faveladas.
Quantos talentos vocês não acham que morrem nas favelas sem ao menos terem nascido porque simplesmente essas pessoas precisam escolher entre viver seus sonhos, suas artes ou pagarem suas contas e sustentarem suas famílias sem fazer esses corres absurdos?
Pra quem acha que favela é só violência e marginalidade fica aqui a proposta de repensar. Nossas favelas estão CHEIAS de talentos ansiosos pra se mostrarem pro mundo. Nós damos nosso sangue e nosso suor pra nos livrarmos das situações que nos violentam e assim conquistarmos nossos sonhos. – E um dos motivos que me motiva a não parar é que eu talvez esteja inspirando um jovem com uma situação semelhante à minha, mostrando à ele um caminho e possibilidades que talvez ele sequer saiba que exista. “
Ruan Félix, Ex-Aluno Gastromotiva